Livrai-me de tudo que me trava o riso.” (Caio Fernando Abreu)
Por onde andava, ninguém sabia ao certo, havia muito que não concedia o ar de sua graça, graça mesmo, por inteiro. Atrás das responsabilidades, boletos, relações enganosas e eclipses do dia, o Riso se perdera. Não se mostrava na rotina, não aparecia nas horas escuras, nem no calor das piadas, já que era mais fácil ser sério, era mais fácil ser brando, era mais simples ser vazio.
Mas havia sede, desespero pelo contentamento, a tristeza não tem fim, o Riso sim, tem hora para começar e limite para acabar, então não poderia entrar com calma, sem ocupar muito espaço, tinha que preencher todos os poros, abrir bem os pulmões, aerar a garganta, hipersalivar os dentes, arregaçar a alma para esse soco de liberdade.
O Riso tem sim a sua hora, no entanto, eterniza um simples instante.
Para quem segue muito armado de si, o Riso nem sempre engana, pois fica difícil sair, mas se pego desprevenido, ele chega para transbordar. Chega para se atirar mesmo, é um interruptor da loucura, uma pausa nobre e bem encaixada para a dor, um energizante para quem vem se arrastando pelas pedras de seus caminhos.
Uma boa risada deveria ser transmitida em rede nacional, tocar na rádio, ter zilhões de visualizações no Youtube, com direito a close no céu da boca, zoom na lágrima espremida no canto do olho, foco na melancolia que foi empurrada contra a parede nesse momento de magia e insensatez.
O Riso não quer saber de rsrs ou hehe, ele quer muito kkkkkkkkkkkkkkkkkkk, muito hahahahahaha… bem comprido, com reticências, que é para o Riso fingir que não termina nunca, que o dia não termina. O Riso quer saber do áudio com explosão, risada vívida, em tempo real.
Tudo bem que não precisa ser histérica, mas também risada contida é muito pobre, desmerecida. O Riso prefere aquelas caras que ficam abertas, sem ocultar as rugas, aquela gargalhada de quem tem beleza no íntimo e é essa que importa ser exibida.
Enfim, ela sucumbiu, permitiu ao Riso sair, e todo o mundo ao redor riu sua risada, gargalhou junto. Também fez chorar, porque o Riso lambuza o rosto de euforia e a lágrima maximiza o prazer, além de lavar e levar o que é ultrapassado consigo.
E que muitos risos se abeirem, desçam ladeira abaixo, viajem sem fronteira e se joguem no abismo, que isso mal não faz e sim enternece. E que, dessa forma, o novo surja, freie o simples, o brando, o vazio e que o peito se infle e os olhos se fechem para que o Riso seja longo e seja todo dele, todo nosso, completo em si.
[Texto via]: Papo de Fran
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