A mosca estava profundamente depressiva. E como não estar? Seu corpo expelia tristeza e angústia. Mal nascera, e a brevidade dos seus instantes já anunciavam: sua morte a esperava em apenas alguns dias. Em 15, 20 ou no máximo 30 dias jazeria esquecida, servindo apenas de alimento para outros insetos… Se é que teria tal utilidade!
Pobre sina! Voando entre decomposições, alimentando-se de podridões, a escolha perfeita para todos os males e imperfeições. Uma constante atração por tudo aquilo que é desprezado pela espécie dominante na Terra.
Pobre mosca! Seu coração palpitava calor, um estômago que regurgitava boas intenções, um cérebro que planejava uma vida cheia de objetivos.
Fazer o bem. Salvar vidas. Gravar seu nome na história. Será que esperava demais de si mesma? O que fazer, afinal? Concluiu ser uma mosca diferente de todas aquelas que a precederam. E como tal, iria em busca do seu destino alternativo.
Começou a voar aleatoriamente em busca de um sentido na vida. Sentiu um atrativo odor de carniça ao sobrevoar um terreno baldio, mas resistiu à tentação – precisava lutar contra suas inclinações, contra cada traço instintivo.
Continuou vagando em direção ao tudo e nada, e chegou em uma casa de humanos. Entrou calmamente pela janela, e começou a inspecionar o local. Voou por toda a casa para descobrir que, no total, havia quatro pessoas ali. Cada qual ocupava um cômodo diferente. Ao inspecionar cada um, a mosca compadeceu-se ao ver seus rostos. Embora parecessem distraídos com aqueles pequenos aparelhos em mãos, emitindo uma estranha luz fosca, na verdade, havia um vazio em cada semblante.
A mosca percebeu muita dor em cada traço daquelas faces. E concluiu que, mesmo em sua vida curta e sem objetivo, jamais sentira tamanha solidão como aqueles humanos pareciam padecer. Seu pequenino coração condoeu-se com tanto sofrimento contido. Todos eles eram seres mortos, apesar de ainda respirarem.
A mosca percebeu muita dor em cada traço daquelas faces. E concluiu que, mesmo em sua vida curta e sem objetivo, jamais sentira tamanha solidão como aqueles humanos pareciam padecer. Seu pequenino coração condoeu-se com tanto sofrimento contido. Todos eles eram seres mortos, apesar de ainda respirarem.
Em busca de fazer a diferença, a mosca resolveu fazer-lhes companhia. Por que sobrevoar materiais em decomposição se poderia consolar aqueles que ainda respiravam? Quem sabe sua presença pudesse trazer um pouco de calor e ânimo para aquelas pessoas. Ela não poderia abanar o rabo como um cachorro, nem se esfregaria nos humanos como um gato. Mas encontraria uma forma de expressar seu carinho.
Cheia de amor e boas intenções a mosca tentou uma tímida aproximação. Para que fosse vista, aproximou-se dos olhos do humano. Não soube porque, mas ele afastou-a com um gesto brusco. Talvez não estivesse acostumado com expressões de carinho. Talvez estivesse simplesmente assustado.
Talvez fosse melhor uma aproximação mais gentil. Na nova tentativa, pousou nos lábios do humano. Foi quase um beijo, uma expressão de “estou aqui se precisar”. Aquele foi seu último ato. Em um movimento rápido e certeiro, o humano se afastou e esmagou a mosca com as duas palmas.
Aquela mosca imaginava ser a única em busca de um objetivo na vida. Enganou-se. Morreu sem ao menos saber que outras milhares de sua espécie tiveram (e ainda teriam) o mesmo fim, ao tentar consolar aqueles seres que estavam mortos, apesar de ainda respirarem.
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