Nascida em uma família nada convencional, Clara seguia os dias de forma mecânica. Os pais seguiam a ideologia “paz e amor”, repelindo os valores que a sociedade impunha. Eles se mantinham com o pouco que ganhavam, empenhando-se em vender as poucas bijuterias que confeccionavam. A garota questionava-se sobre o comportamento dos pais, vivendo de forma tão isenta. Um tanto confusa, arriscou-se em ser como eles. E querendo conhecer o mundo, aceitou o convite de duas amigas, partindo para uma festa.
— Garota, quando que você vai viver sua vida direito? — questionou a mãe.
Isso passou a ser um problema, pois Clara pegara gosto pela coisa, e de convencional passou a ser uma beberrona convicta.
— Mamãe, nós não temos boa vida pra isso — seu tom de voz era sarcástico. — Além do mais, eu e as garotas só queremos diversão.
A mãe ficou sem palavras.
“Como impor padrões quando origina-se nada convencional?!”, concluiu a matriarca.
As noites maldormidas passaram a ser corriqueiras, fazendo com que Clara levasse duas advertências no trabalho. Os pais ficaram preocupados, pois se Clara perdesse o emprego, a renda familiar passaria a ser microscópica.
Ela recebia ligações no meio da noite, o que deixava seu pai irritado:
— O que você está fazendo da sua vida? — questionou o pai, segurando-a com força pelo braço direito.
Agora Clara permitia-se repelir os valores morais, passando a viver uma nova ideologia: permeada em baladas, destilados e garotos.
— Papaizinho, saiba que você ainda é o número um. Afinal, eu e as garotas só queremos nos divertir... — concluía de forma ébria.
Depois de mais uma noite de farra, passou a atender um cliente de forma desatenta. O supervisor a chamou de canto e lhe disse:
— Eu deveria demiti-la, mas vou dar uma colher de chá! — ameaçou-a apontando o dedo indicador em seu nariz.
Irritada ao relembrar tal infortúnio, resolveu novamente divertir-se, tendo como companhia uma forte ressaca.
Clara perdera o emprego.
— Como faremos agora? — questionou a mãe.
Por tempo indeterminado, ela pensou...
— Como faremos agora? — perguntou a mãe, mais uma vez.
Clara refletiu mais um tempo...
— Tem biju pra vender? — interrogou a matriarca. — Posso sair pelas ruas, tentando vender.
A mãe espantou-se com a resposta, enquanto Clara imaginava o quão perfeito seria caminhar pelas ruas, cantarolando e tentando vender algumas peças mal-apessoadas. E fora no café da manhã que o pai ergueu o braço esquerdo, chacoalhando algumas das quinquilharias que confeccionava.
— Brindemos! — disse o pai, erguendo uma xícara de chá com ervas diversificadas. — Paz e amor! E que você venda tudo.
Clara partiu, permitindo-se trabalhar no seu tempo, além de conseguir vender todas aquelas manilhas. Por consequência, até as amigas comemoravam sua nova condição. As festas passaram a ser em sua casa, sem restrições e ouvindo clássicos dos anos setenta, transformando todos em ébrios estandardizados.
**Para conferir esse e outros nove contos inspirados em canções,
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