Viver, como talvez morrer, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada. Muitas vezes, ousada. (Lya Luft)
Nem é preciso que revelem o quanto a dor dilacera, o peito arfa e os dias não escoam. Diviso a tortura em cada olhar. Não, essencial isso não é, mas sei o quanto é necessário que cada de um de nós conte sua história.
Levantou-se P., portanto, mãos trêmulas, cultuando a luz da sala:
— Eu sonhava que o momento seria eterno e que, de tão incomensurável, poderia adquirir o dom de voar e seduzir a amplidão; saberia enxergar lágrima doce em cada melodia de canções favoritas. Porém, da calmaria passei rapidamente para o sopro de fúria, e agora preso aqui estou, sem mais reconhecer os limites da minha ira. Essa é a minha indignada história.
Mais doce, constrangida, todavia decidida, foi a vez de E.:
— Eu vivia em um mundo de opostos; subia constantemente em escadas de enganos que me conduziam a lugar nenhum. Diria que a minha vida é composta de vários capítulos, sem começo ou fim, mas tentei, a todo custo, dar conclusão a um deles. Fui ineficaz. Essa é a minha covarde história.
— Pois eu não tenho rimas! — Excedeu-se J. — Meus versos são ausentes, sem época, mas aliviam a solidão que me gasta por dentro. Fui e sou assim, sempre assim, e segui caminhos ocultos, procurando acolhimento para as dúvidas da alma. E estou aqui a transformar meu universo, em um perpétuo recomeço. Essa é a minha inacabada história.
Era a vez de Z., ele sabia:
— Não tenho mais memória do que fui, escondo-me do que é real, prefiro ser absorvido por quimeras; não quero que me provem nada, pois não quero entender nada, nem que a mim julguem. Para mim, as conversas se esvaem pelos cantos, então, pretendo continuar aqui dentro, na antessala de mim. Essa é a minha crua história.
L. abriu um pedaço de folha amassada do bolso, ergueu-se o mais suprema que pôde, mas leu em voz miúda, como se ninguém lhe fizesse companhia:
— Sou nuvem, dona do céu, mas já fui somente gota na pedra. Sou vaga, sou verso, sou estrada rara.
E gritou:
— Essa é minha história!
Um estrondo rouco fez todos se voltarem para a janela: tempestade a chegar. Esse grito veio através das cortinas, na ânsia das horas passando. O silêncio me consentiu avançar à frente de todos:
— Minha história é essa: amei mais do que chorei, gritei muito mais do que calei, fugi tantas vezes, mas entrei muitas outras na batalha, sem armaduras. E como me feri! Nem sempre me curei. Tirei as dores da alma e as guardei na mala, e é quando a abro que me fortaleço.
Depois disso, cada um deles se fechou em si mesmo. Notei o saudosismo nos olhares, a brisa de espera que vinha da sala, vento morno de saudade. A reunião terminara. Retornaram às respectivas alas, e eu ainda fiquei lá mais um pouco, esperando pelo temporal, que não veio.
[Via]: Papo de Fran
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