O cérebro é o meu segundo órgão favorito.” (Woody Allen)
— Fique quieto!
— Você precisa me escutar…
— Não. Não quero ouvir.
— Não me deixe aqui sentindo tudo sozinho…
— Chega! Você não manda mais aqui.
E virou as costas, desviando seu caminho. O parceiro de tantas paixões, amigo Coração, ficou ressabiado dentro do seu recanto. Foi designado a ele que não saísse de lá, que não exercesse mais função afetiva e continuasse seu trabalho habitual de tocar o sangue para frente, bombear sem titubeios, definir o fluxo, deixar passar, sendo somente motor, apesar de seu potencial eminente.
Cabreiro e abandonado, foi posto de lado pela primeira vez na vida. Sempre fora o Conselheiro-mor., o primeiro a ser inquirido, o autor da palavra final. Ela seguia o que o Coração mandava.
No entanto… alguém chegou para assumir o posto.
— Sim, sim, a casa é sua agora.
— Sempre foi, minha querida, sempre foi. Mas deixei você se iludir um pouco, pois sabia que no tempo certo voltaria para mim.
— Nossa, fui tão imatura que me envergonho disso.
— Sim, é hora de se envergonhar mesmo. Mas vou cuidar de tudo.
E foi assim que o Cérebro, aquela figura amedrontadora por ser tão dono de si, altivo e colossal mesmo com sua pouca estatura, pisoteou fortemente nos vestígios de amor jogados ao chão a fim de não os deixar mais tomar vida.
— O resto é só apêndice.
Esse Cérebro era autoritário, mas sabia das coisas e suas regras eram para que ela se redimisse do passado e abandonasse seus pesares. Não era de todo mau, buscava somente ajeitar a casa.
Só que quando tudo parecia novamente calmo, sem ondulações, não foi fácil fingir que ninguém chamava…
— Ei. Olha para cá.
— Hein?!
— Ela não entendeu.
— Olha aqui para dentro. Acorda, vai.
Como ela não era mais responsável pelo que acontecia lá dentro, embora estranhasse aquela solicitação, não se preocupou em responder. Quem o fez foi o Cérebro.
— O que você quer?
— Quero sair.
— Para quê, amigo? Não há nada a ser feito por você aqui fora.
Coração e Cérebro estavam longe de ser amigos nessa fase, a rivalidade clamava por briga, eles guerrilhavam em silêncio o tempo todo. Quem dominava era o Cérebro, mas Coração esperava sua vez.
Era sua hora. Bateu forte, cada vez mais veloz.
Tum-ta. Tum-ta. Tum-ta. Tum-t. Tum-t. Tum-t. Tum. Tum. Tum. Tu. Tu. Tu. T. T. T.
Até fazer silêncio.
Ouviu-se ao longe:
— Paradaaaaaaa!!!!
E deram início à reanimação.
Enquanto massageavam e o Coração voltava a funcionar artificialmente, o Cérebro implorava:
— Volta, amigo. Preciso de você.
— …
— “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível a razão” – parodiou O pequeno Príncipe, o Cérebro em desespero.
— …
— Juro que me adapto para escutar aquilo que você já sabia antes de mim.
— …
E, como última tentativa, buscou na memória contida em si, algo que a dona daquele corpo lera em algum momento. E gritou chorando:
— Vem governar comigo…
— Tum-ta. Tum-ta. Tum-ta.Tum-ta. Tum-ta. TUM-TA…
Sucesso na reanimação, o retorno da vida foi comemorado.
Mas ninguém adivinharia o que se passava lá dentro. Na guerra nada fria e sim efervescida que havia se desenrolado, ninguém venceu, por fim. Minto, quem venceu foi ela, a proprietária dos órgãos, que de um dia para o outro teve sua vida organizada, ora com bom humor, ora com vontade de sumir; ora cultivando flores, ora dando ouvido aos livros; ora ficando em casa, ora vivendo a vida lá fora. A única condição essencial estabelecida foi fazer tudo isso com todo o seu ser, em sua plenitude, o que, nesse caso, significava “de coração e cérebro”.
E quando o Cérebro já irritado enlouquece com algumas das opiniões do Coração que são contrárias às suas, ele implica novamente:
— Você precisa me escutar…
— Não. Não quero ouvir.
— Não me deixe aqui sentindo tudo sozinho…
— Chega! Você não manda mais aqui.
E virou as costas, desviando seu caminho. O parceiro de tantas paixões, amigo Coração, ficou ressabiado dentro do seu recanto. Foi designado a ele que não saísse de lá, que não exercesse mais função afetiva e continuasse seu trabalho habitual de tocar o sangue para frente, bombear sem titubeios, definir o fluxo, deixar passar, sendo somente motor, apesar de seu potencial eminente.
“Quando se amarra bem o próprio coração e se faz dele um prisioneiro, pode-se permitir ao próprio espírito muitas liberdades.” (Nietzsche)Se era o espírito ou razão que a controlariam, ainda não sabíamos nesse momento da história. O que ficou bem claro, fato consumado em sua totalidade, foi que apesar de cheio de água vermelha, o Coração ficou oco, dolorido em sua umidade. Fora deixado em paz, mas paz mesmo não encontrou. Esse golpe não esperava.
Cabreiro e abandonado, foi posto de lado pela primeira vez na vida. Sempre fora o Conselheiro-mor., o primeiro a ser inquirido, o autor da palavra final. Ela seguia o que o Coração mandava.
O que você sabe, Coração?Ele sempre sabia, mesmo não entendendo. Acertava até quando só palpitava, de palpite mesmo e, às vezes, de palpitação, quando a adrenalina o subjugava. Queria só dizer a ela que não se esquecesse do amor, mas teve as portas trancadas.
No entanto… alguém chegou para assumir o posto.
“Ninguém se mexe! Meu cérebro caiu” (frase de Jack Sparrow, em Piratas do Caribe)— Deixe eu colocar ordem no recinto.
— Sim, sim, a casa é sua agora.
— Sempre foi, minha querida, sempre foi. Mas deixei você se iludir um pouco, pois sabia que no tempo certo voltaria para mim.
— Nossa, fui tão imatura que me envergonho disso.
— Sim, é hora de se envergonhar mesmo. Mas vou cuidar de tudo.
E foi assim que o Cérebro, aquela figura amedrontadora por ser tão dono de si, altivo e colossal mesmo com sua pouca estatura, pisoteou fortemente nos vestígios de amor jogados ao chão a fim de não os deixar mais tomar vida.
— O resto é só apêndice.
Eis que se estabeleceu a partir disso a dinastia da Razão. Abaixo os medinhos! Abaixo as lágrimas! Abaixo os sentimentos abafados! Abaixo a cegueira! Abaixo os mergulhos em abismos! Abaixo as gotas d’água e os desfechos de festas, Chico. (Música Gota d'água, de Chico Buarque)— De hoje em diante, é permitido ser ambíguo e transformar. É permitido deixar ir. Pode-se esquecer, mas não se pode confiar em demasia, somente em si mesmo. É permitido deixar morrer e seguir adiante. Não é aceito mais ficar no mesmo lugar. É obrigatório expulsar o que não cabe mais: os anéis, os sapatos, as mágoas e os receios. Xô sensibilidade que destrói, que condena, que faz com que você pare a vida para se coitadizar!
Esse Cérebro era autoritário, mas sabia das coisas e suas regras eram para que ela se redimisse do passado e abandonasse seus pesares. Não era de todo mau, buscava somente ajeitar a casa.
Só que quando tudo parecia novamente calmo, sem ondulações, não foi fácil fingir que ninguém chamava…
— Ei. Olha para cá.
— Hein?!
— Ela não entendeu.
— Olha aqui para dentro. Acorda, vai.
Como ela não era mais responsável pelo que acontecia lá dentro, embora estranhasse aquela solicitação, não se preocupou em responder. Quem o fez foi o Cérebro.
— O que você quer?
— Quero sair.
— Para quê, amigo? Não há nada a ser feito por você aqui fora.
Coração e Cérebro estavam longe de ser amigos nessa fase, a rivalidade clamava por briga, eles guerrilhavam em silêncio o tempo todo. Quem dominava era o Cérebro, mas Coração esperava sua vez.
Era sua hora. Bateu forte, cada vez mais veloz.
Tum-ta. Tum-ta. Tum-ta. Tum-t. Tum-t. Tum-t. Tum. Tum. Tum. Tu. Tu. Tu. T. T. T.
Até fazer silêncio.
Ouviu-se ao longe:
— Paradaaaaaaa!!!!
E deram início à reanimação.
Enquanto massageavam e o Coração voltava a funcionar artificialmente, o Cérebro implorava:
— Volta, amigo. Preciso de você.
— …
— “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível a razão” – parodiou O pequeno Príncipe, o Cérebro em desespero.
— …
— Abre, Coração, ou eu arrombo sua janela!!!! (Chico Buarque novamente. No original: "Abre o teu coração ou eu arrombo a janela")— …
— Juro que me adapto para escutar aquilo que você já sabia antes de mim.
— …
E, como última tentativa, buscou na memória contida em si, algo que a dona daquele corpo lera em algum momento. E gritou chorando:
“Não há nada que esteja menos sob o nosso domínio que o coração, e longe de podermos comandá-lo, somos forçados a obedecer-lhe.” (frase de Rousseau)— Tum-ta…………tum-ta………….tum-ta………..
— Vem governar comigo…
— Tum-ta. Tum-ta. Tum-ta.Tum-ta. Tum-ta. TUM-TA…
Sucesso na reanimação, o retorno da vida foi comemorado.
Mas ninguém adivinharia o que se passava lá dentro. Na guerra nada fria e sim efervescida que havia se desenrolado, ninguém venceu, por fim. Minto, quem venceu foi ela, a proprietária dos órgãos, que de um dia para o outro teve sua vida organizada, ora com bom humor, ora com vontade de sumir; ora cultivando flores, ora dando ouvido aos livros; ora ficando em casa, ora vivendo a vida lá fora. A única condição essencial estabelecida foi fazer tudo isso com todo o seu ser, em sua plenitude, o que, nesse caso, significava “de coração e cérebro”.
E quando o Cérebro já irritado enlouquece com algumas das opiniões do Coração que são contrárias às suas, ele implica novamente:
O que você sabe, Coração?E ele responde, com a leveza de quem partiu e voltou, com a sabedoria de quem não pode mais ficar sozinho:
Sei o tanto que você sabe, Cérebro. Só que banhado de amor.[Texto via]: Papo de Fran
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