A mentira é o vírus de uma relação. Invisível, ela chega silenciosa, sorrateira, se aloja na convivência e, quando percebemos, estamos infectados. Não há mais cura. Se a sinceridade é o alicerce para o amor, a mentira, é o veneno da rotina. Mentir é fácil. Difícil é suportar as consequências do gesto. Enganar o outro é trair a si mesmo.
Mentira é fuga, delírio do óbvio, um lapso de ilusão. Devaneio da realidade, incerteza do passo. A mentira é a contramão da tranquilidade. Mentir não protege, afasta; não ajuda, confunde; não esconde, machuca. A mentira é a sombra do dia, a tentação da noite. Mentir revela mais do que gostaríamos.
Uma mentira inocente pode abrigar, mas a sinceridade vai aquecer. Mentimos todos os dias. Dizemos que o cabelo dela está ótimo, que a sua comida está uma delícia, que o perfume dela nos faz cantar. Mentimos por um sorriso e somos perdoados por isso. Mentir nunca é bom, especialmente no amor.
“Mentiras sinceras me interessam”. Grande Cazuza. Mentir pode ser um deboche para ser notado. Algo o tipo: “Eu te odeio”, “Sai da minha vida”, ou nunca mais me procure”. Sabemos que a boca não combinou o discurso com os olhos. O olhar não mente jamais. E a boca… Bom, a boca implora por ser calada com beijos.
Minto pra ser feliz, engano a minha previsibilidade e traio a própria vontade, sempre que te nego um abraço. Mas não há como disfarçar a veracidade dos corpos. Na entrega, o arrepio autêntico revela o íntimo da pele. Mentir na cama é até possível, mas imperdoável.
A mentira angustia, traumatiza e inquieta.
A mentira sempre será revelada. A mentira é uma verdade escondida, uma covardia mascarada, uma defesa do medo de se sentir fraco. Mentir é dissimular a realidade, amar por pena, transar por compromisso. A mentira é irmã da traição e amiga do pecado. Mentir é desistir de si mesmo, abdicar da sinceridade do peito, abandonar a transparência dos sentimentos.
Mentir é uma escolha errada. Mas ainda assim, uma escolha.
Texto de: Chico Garcia
Via: Crônicas do Chico
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