Amizade é texto sem revisão. Cheio de erros de concordância, grosserias gramaticais, hipérboles baratas e pleonasmos edificantes.
Amizade é costura de chita e fio percal de um milhão, resulta em tapeçaria persa feita a mão, por anos.
Amizade é roto justificando esfarrapado. É bela viola e pão bolorento por dentro e por fora, sem descanso.
Amizade é cerveja de garrafa e pastel gordurento na quinta a noite, arrematando a semana antes do fim.
É fumar cigarro na promessa de parar, sem medo de doença porque tem afeto que protege da guerra.
É falar dos tropeços mergulhando de cabeça na erosão.
É construir lembranças sem fim.
Do primeiro vomito na beira da estrada, da mão na garganta que sela pacto de irmão de sangue, da transa sem camisinha que faz todas doarem sangue pra descobrir que está tudo bem.
Da prova colada de assunto desinteressante, do professor bonito.
Do roubo da sobremesa pra virar bebida de adolescente.
Das desavenças, das diferenças, da tolerância.
Da calça emprestada que não servia, mas serviu, porque amigo cabe em qualquer tamanho.
Do sapato frouxo que laceia para receber a bolha alheia.
Da viagem longa que canta a brincadeira de infância e anuncia a chegada da adolescência.
Da fita que volta por insistência de viver o momento por mais um instante.
Da música, do monte de músicas, do Fábio, Junior, companheiro insuperável de fim de noite.
Dos casamentos, dos amores, das paixões da Bahia, do Cerrado, da esquina.
Dos filhos nascidos e dos perdidos e dos criados e adotados e sacramentados, na saúde e na doença, na harmonia e na discórdia, na vida e na morte.
Em nome dos pais, das mães e de todos os espíritos dispostos a proteção. E também dos que não, intrusos aniquilados pela lealdade.
Das profissões escolhidas e esquecidas pelo caminho. Daquelas que perduraram e findaram um lugar.
Da promessa da velhice, da cadeira de rodas com cerveja e cigarro e humor. Muito e sempre.
Das quedas, derrocadas e vitórias.
Das fáceis, das impossíveis e das transcendentes.
Amizade é primeira menstruação, que sangra até a menopausa, que marca tempo.
Que volta a cada ciclo, certeiro.
Que se escreve nas madrugadas e nas manhãs de cólica. Nas de ressaca e de sufoco e de angústia agonizante.
Na sala de parto e de cirurgia e de onde mais Deus nos colocar.
Que não mede distância, dinheiro e nada que o homem possa calcular.
Que enfrenta.
Amizade é dedo na ferida, no ponto fraco e na hemorragia, que cutuca com a garantia de estancar.
Amizade é DNA. Modifica o código, as regras, as leis.
É anatomia.
Conhece pelo tom, pela voz, pelo passo e pelo olhar cego do cheiro de alegria e tristeza.
É sublimação.
É amor sem fim.
Amizade é texto sem revisão.
Via facebook: Memoriando Caraminholas
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