10 de fev. de 2017

[Crônica]: Apologia ao amor em tempos de corações tristes

Eu encontrei essa crônica e achei ela fantástica. E, claro, não poderia deixar de postá-la aqui. Confiram:

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Um brinde aos corações tristes. Amor. Dor. E uma caixa de isopor repleta de corações congelados. Quem vai querer? Preferiria mil vezes ter rimado amor com Morena Flor, mas não deu certo. Erramos por um mundo faminto de respostas. Fazer o quê? São coisas que acontecem. Mistérios que lotam igrejas mantêm a mística, fazem girar moedas. Vocês não fazem ideia do quanto eu queria andar, andar, andar até gastar os pés, as pernas, o quadril, o corpo inteiro e sumir na paisagem derretida feito uma das estátuas de cera de Madame Tussauds. 

Ando cheio de tudo isso, de gente vazia, do trânsito parado, do giro dos motores, da náusea, do calor do momento, da frieza nos olhares, dos milhares de estranhos se estranhando nas entranhas da cidade, dos motoristas gesticulando com histeria, homens e mulheres (que vergonha!) enlouquecendo mutuamente com a falta de espaço, com o excesso de pressa, com um tempo perdido rumo ao trabalho, o qual, claro, não volta nunca mais, senão nas decrépitas recordações da velhice. Será melhor perder totalmente a memória, para não ter o que lamentar? Não há novidade alguma em questionar a vida que se leva. Raro mesmo é ter coragem para desmamar do caos. A gente se amarra em tragédias. 

Vejo um mundo guinando celeremente à direita, sendo estúpido, arrogante e individualista a cada dia, enquanto esbraveja palavras de ordem com peito aberto: “Eu quero muros!”. Os truculentos nunca se sentiram tão confiantes. “Quem não tem competência não se estabelece.” Ora, quem estabeleceu essa joça? Não tenho competência, mesmo assim tenho sobrevivido, aos trumps e barrancos, é verdade. Estou na luta. Quase na lata. Mas estou na luta. Não sou sapo, mas dou os meus saltinhos. Velejo sem leme, solenemente entregue a fiapos de esperança por dias melhores. Eu me arvoro numa fé bisonha, é impreciso confessar. Pior que navegar sem rumo é remar com confiança na direção dos destinos de sempre, sem nunca pestanejar, como se fosse a coisa mais certa a fazer. Quisera pular pela escotilha, fugir da matilha que rosna nos calcanhares desse mundo cão, e ser capitão no meu próprio mar de lágrimas. 

Um brinde sincero e condoído aos corações sofridos. Eu tenho uma compaixão danada pelos miseráveis. Temos os corações tão parecidos. Essa aqui eu escrevi para os que se sentem um tanto fora dos padrões vigentes. Já vi gente pulando de prédios. Isso não se faz com as plantas dos canteiros, parceiros. Um viva aos que tem pensado em se matar. Parem com isso, chapas! Vamos juntos sobreviver para quebrar a espinha dorsal desse estado de coisas. Se fracassarmos, dancemos. 

Um brinde aos desempregados. Aos que quebraram uma perna ou uma empresa buscando empreender. Aos que deram com os burros n’água. Às que se sentiram extremamente sós durante um estupro coletivo. Aos que viram a própria mãe surtar. Aos que enterraram um filho. Aos que plantaram uma árvore, mas ela murchou. Aos que escreveram um livro, mas ele encalhou. Aos desenganados pela medicina. Aos que foram enganados por gente séria, honesta e de muita confiança. Aos que nunca viajaram de avião, mas tiveram a sua vila bombardeada. Aos que disputam migalhas de atenção em campos de refugiados. Aos judiados pelo resto da humanidade.

Por: Erberth Vêncio
Via: Revista Bula

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