Esta mutação torna o texto habitável, à maneira de um apartamento alugado. Ela transforma a propriedade do outro em lugar tomado de empréstimo, por alguns instantes, por um passante. Os locatários efetuam uma mudança semelhante no apartamento que mobiliam com seus gestos e recordações; os locutores, na língua em que fazem deslizar as mensagens de sua língua materna e, pelo sotaque, por “rodeios” (ou giros) próprios, etc., a sua própria história; os pedestres, nas ruas por onde fazem caminhar as florestas de seus desejos e interesses. Da mesma forma, os usuários dos códigos sociais os transformam em metáforas e elipses de suas caçadas. A ordem reinante [50] serve de suporte para produções inúmeras, ao passo que torna os seus proprietários cegos para essa criatividade (assim como esses “patrões” que não conseguem ver aquilo que se inventa de diferente em sua própria empresa). No limite, esta ordem seria o equivalente daquilo que as regras de metro e rima eram antigamente para os poetas: um conjunto de imposições estimuladoras da invenção, uma regulamentação para facilitar as improvisações.
[De Certeau (1980, p.49-50). A Invenção do Cotidiano: 1. Artes de Fazer. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes]
Texto via: Henrique Iwao
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