19 de out. de 2014

Texto: Caso Seja Eleito! (por Jeferson Cardoso)

Parecia o anúncio de um grande espetáculo circense, mas não era. Um cordão composto por carros estampados com legendas, cores e rostos sorridentes. Como sorriem esses homens! A vida é bela, Benigni! Carros de som estrondam o cancioneiro da moda com paródias que superam o horror do mau gosto das canções originais de apenas um refrão e uma onomatopéia. Caminhões e caminhonetes densamente tripulados desfilam em um contínuo teste de paciência dos amortecedores. Pessoas indo a pé, compondo o cortejo, empunham bandeiras com cores uniformes, trajam camisetas impressas com os mesmos rostos sorridentes estampados nos carros e nas bandeiras.

O sol está ardente e a principal avenida da cidade repleta pelas gentes. Transeuntes atordoados e, ao mesmo tempo, curiosos, bem como costuma ser comum nos ermos mais pacatos em circunstâncias normais. O ir e vir de um lado a outro pelas calçadas do comércio do centro da cidade é constante.

A turba tumultuosa chama a atenção pelo alarido que impõe de modo imperioso. Um homem vinha pelo meio da rua transitando no nervo do séquito com os braços erguidos e gesticulando como um maestro regente de toda aquela balburdia insana. O adversário surgia a poucos metros e cumprindo o mesmo trajeto, com um tropel equivalente e algo progressivamente mais barulhento, efeito Doppler, talvez.

Embora se aproximassem bastante as turbas, não se encontrariam jamais. Feito água e óleo que seguem uma substância após a outra por meio de um estreito canal, seguiam-se e repeliam-se, propeliam-se e continham-se, porém, jamais mesclavam suas cores e representações.

Através daquela nefasta folia de candidatos a reis, os postulantes aos cargos públicos digladiavam pelo voto dos populares. Queriam com aquilo provar o merecimento da confiança das gentes e conquistar os acentos nas cobiçadas cadeiras que representam aquele mesmo povo que assisti a tudo com um misto de curiosidade, espanto, indiferença e aborrecimento.

Senhoras passam irritadas e queixosas do barulho inoportuno. Dentro dos estabelecimentos, atendentes e clientes reclamam da dificuldade de comunicação das transações de consumo. O vendedor da loja de calçados diz que aquilo é uma encheção de saco. Um senhor esfaimado pede uma esfirra e um guaraná, porém recebe uma coxinha e uma cerveja. A criança chora assustada e a mãe, irritada, chacoalha a pobre coitada ao invés de afagá-la.


Por outro lado, não obstante, a proposta é de um grande festejo, uma enorme farra democrática. É como se a administração pública brasileira só tivesse o que festejar e o eleitor motivos de sobra para votar cantando e saltitando em seus espetaculares candidatos da vez. Ora, se um pobre diabo entra dançando e cantando para votar, é evidente que será tomado por louco pelos que aguardam pela vez na fila. Porém as gentes que pedem o voto daqueles pobres eleitores nestes exatos e supracitados termos não respondem por loucas jamais e sempre podem recorrer das caluniosas denúncias de improbidade.

Se eu não tivesse já sido inteirado de que a terra é esférica, suspeitaria seriamente de que o mundo está de cabeça para baixo. O bom senso é falta de educação e rabugice. Refugio-me numa loja sob pretexto de comprar um short de corrida. O dono da loja é um velho conhecido meu. Nem bem o cumprimento e já ouço sua queixa do tumulto que passa diante seu estabelecimento. Ele diz que é incrível, mas a cada momento aquela gente eleva mais e mais o som a fim de impor-se mutuamente, e que o ouvido dele não é pinico, e que aquilo é, bem, deixa pra lá, quer saber quanto custa o short?

Deixo o centro, porém o carnaval segue manhã a fora. Enquanto me afasto, vejo gente conhecida e reconhecidamente desprovida de qualquer inclinação política e ou ideologia partidária empunhando uma bandeira a fim de complementar o ordenado. Já dentro do carro, penso que cada um faz o que pode e que o espetáculo não pode parar.

Texto via: Jefh Cardoso

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