Estimado Corvo Louco,
Meu bom camarada insano. Estava eu, aqui, fazendo um inventário dos meus pecados. Não estranhe, Corvo gentil, porque são minha única riqueza. Tenho belos pecados, Corvo, dignos de uma pedra sem alma nem juízo. E, no entanto, são meu orgulho. Pequei por prazer, pequei por convicção. E me veio à mente, Corvo roqueiro, a questão do Purgatório. Dizem, não sei direito, que é neste lugar onde se faz a “expiação”, onde se purga os pecados. É aqui onde reside o problema. Como, Corvo doido, eu vou me desfazer de coisas que me deram um trabalho danado para realizá-las? Logo meus pecados, que é o que eu tenho de melhor? Não é justo. Não é justo e sim, vai ter problema.
Como posso, Corvo namorador, me arrepender de ter transado numa Sacristia? Isso é pecado? Dois jovens, sem dinheiro nem chiclete, fazer amor na Sacristia? Ademais, a porta da igreja estava aberta. Se até os cachorros entram, por que não eu minha namorada? Vivendo um amor puro de adolescentes? Quando o que se quer mais é ser feliz? Falo isso como pecado, mas espero que não esteja na conta. Lembro-me que, ao sairmos, minha namorada rezou três Ave Maria e um Pai Nosso. E, ao sairmos, ainda deu uma ajoelhadazinha, com a perna direita, em direção ao altar. Para mim, Corvo, esse pecado não pode entrar na conta. Voltamos lá, depois, mas deu tudo errado. Algum santo avisou.
Também me lembrei, Corvo milorde: e se entrarem os pecados “em pensamento?” Minha conta estoura. De qualquer forma, Corvo, não tem acordo. Vou fazer um inventário dos meus pecados, meu estimado camarada, e deixar com você. Se não tiver outro jeito, faço de conta que estou pagando. Caso eu volte um dia, e já não me lembre dos meus bons e valiosos pecados, o inventário estará com você. Não tenho do que me arrepender. Mais faria. Mais farei. Pecado é não viver.
Por: Norton Ferreira
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