O caderno de receitas de minha mãe traz os primeiros traços de minha letra cursiva que se esforçava para ser perfeita nos primeiros anos.
Eu gostava de copiar as receitas e enfeitá-las com recortes coloridos ou desenhos infantis. Hoje, minha mãe conta com um livro de receitas que é uma relíquia, baú de afeto de sua filha mais velha.
Ao seu lado aprendi a necessidade de untar a fôrma e pré aquecer o fogo. E por mais que quisesse experimentar a gostosura antes do tempo, aprendi que o bolo só cresce se o forno estiver bem quente.
Assim também fui aprendendo o valor da paciência diante das demoras da vida, da necessidade de saber esperar mesmo que isso custe muito esforço.
Pra algumas coisas não há remédio senão esperar. Algumas coisas fogem do nosso controle, do nosso domínio, da nossa condução. Assim como o bolo tem o tempo dele para ficar pronto e não há o que se fazer senão aguardar — com a porta do forno fechada! — a vida nos cobra tolerância ao tempo marcado para cada coisa.
No Chile, esperando pelo voo marcado para as 14 horas, só conseguimos decolar às 20 horas. Alguns passageiros aguardavam pelo voo desde a manhã, e o remédio era esperar. Encontramos então formas de fazer isso: lendo, admirando as últimas fotos, jogando um game no celular, conversando… não importa, o importante era conseguir atravessar as horas até o momento certo chegar.
O momento certo sempre traz boas surpresas, mas aprender a aproveitar o hiato entre o desejo e a concretização dos planos é essencial para se viver uma vida satisfatória.
A vida é cheia de demoras e é preciso ter cuidado para não estragar as boas surpresas que estão por vir com nossa ânsia de chegar mais rápido.
É preciso suportar os vazios, os silêncios, a falta de respostas. Nem tudo flui no nosso tempo, seguindo o compasso de nossas vontades, e não podemos atrapalhar o curso natural da vida com nossas urgências e impaciências.
É preciso aprender a lidar com a ausência de sinais. É preciso tolerar o silêncio. É preciso encontrar recursos para atravessar o deserto de respostas. Todos passamos por momentos de aridez, e é assim que crescemos também. Aprendendo a ser forte quando tudo é ausência; conseguindo ser delicadeza quando tudo é solidão; e resistindo com poesia quando tudo é ventania.
Saborear um bolo quentinho, recém saído do forno, com um café coado na hora, é me lembrar de um tempo feliz, em que ficava na cozinha ao lado de minha mãe e sentia o cheiro da massa se espalhando pela casa. Naquele tempo não havia celulares, tablets, netflix ou aplicativos, e por isso a espera pela minha fatia de bolo fumegante era tão celebrada. O tempo era nosso, e os vapores da cozinha nos contavam que a felicidade morava no instante presente, não somente naquilo que estava por vir.
Que as esperas sejam celebradas com a mesma poesia que os pontos de partida e chegada; que o tempo transcorra sereno mesmo que os relógios demorem para acertar a hora desejada; e que a vida tenha sabor de bolo quentinho, que só ficou saboroso porque não foi tirado do forno antes do tempo…
Por: Fabíola Simões
Por: Fabíola Simões
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